A quem possa interessar:
Grande parte do que possuía foi vendida ou doada. O que
resta, é minha vontade que seja entregue ao meu amigo João; o qual poderá dar a
meus pertences o destino que lhe aprouver.
Nada deverá ser
entregue a qualquer parente meu.
Quanto aos meus restos mortais, suplico encarecidamente; não
o torturem com choros, rezas ou velas. É apenas a minha matéria e imploro que a
deixem degradando-se em paz. A putrefação não é degradante. Se a humanidade
permitisse que a natureza tomasse o seu curso, seria o renascimento da matéria.
Eu renasceria no vento que passa a murmurar, nas folhas que
farfalham, no solo que abriga e alimenta milhares de seres vivos, na água que
corre para o mar nas chuvas que regam os campos, no orvalho que cintila ao
luar, nas grandes árvores que abrigam ninhos de passarinhos e que vergam a
passagem dos ventos fortes, nos pequenos arbustos que escondem a caça do
caçador...
Céus! Eu me vingaria se apenas uma de minhas partículas
participasse do desabrochar de uma flor ou do canto de um pássaro. Romântico?
Não! Foi o mundo, minha família, meu educador mas principalmente... foi o seio
que aconchegou a criança que vinha lhe contar as suas tristezas, máguas,
alegrias, pensamentos, e seus desejos íntimos... suas esperanças. A criança
crescida quer voltar para lhe contar
seus sofrimentos, desilusões, a morte de suas esperanças... para encontrar
novamente o aconchego onde poderá descansar sua cabeça cansada e abatida e onde
poderá, enfim, chorar as suas lágrimas que não encontram onde chorar.
Volto derrotada porque não fui capaz de viver, trabalhar e
estudar não foram suficientes para mim. E foi tudo o que me restou. Prefiro
morrer do que viver com a morte dentro de mim.
Perdoem-me ...
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